Rogério e Marta
Sentado em um
banco que ficava próximo de uma das salas de audiência, Rogério olhava para o
nada. Tentava entender como as coisas haviam chegado naquele ponto.
Rogério
conheceu Marta ainda muito jovem. Ela veio de outra cidade, de um estado bem
distante, junto com a família que havia se mudado como consequência de uma
transferência do trabalho do pai.
Por causa do
sotaque carregado e o biótipo incomum para aquela região do país, Marta era
motivo de chacota entre os colegas da escola e não conseguiu se enturmar,
optando por se isolar na maior parte do tempo.
Diferente dos
outros meninos, justamente eram as diferenças de Marta que encantavam Rogério.
Um dia, na
hora do intervalo, Rogério venceu a timidez e finalmente se aproximou de Marta,
iniciando uma conversa da seguinte forma:
- Deve ser
difícil vir para um lugar que não conhece ninguém! Não consigo imaginar sair
daqui e ficar distante dos meus amigos. Pior ainda se fosse discriminado e alvo
de gozação como está acontecendo com você.
Um pouco
desconfiada, de um modo seco Marta respondeu:
- Realmente
não é fácil. Você também vai zoar comigo?
Ciente de que
a rispidez de sua interlocutora era o resultado dos dias de hostilidade,
Rogério respirou fundo, olhou bem fundo nos olhos de Marta, sorriu, estendeu a
mão e disse:
- Não precisa
ser mais assim. Meu nome é Rogério e gostaria de ser seu amigo. Se depender de
mim você nunca mais ficará sozinha.
Desconcertada,
Marta retribuiu o sorriso e o cumprimento que selava o nascimento uma nova
amizade.
A partir
daquele dia Marta e Rogério estavam sempre juntos. Onde um era encontrado, o
outro também estava.
Foi questão de
tempo para que amizade evoluísse para um namoro.
No novo
estágio da relação algumas características pessoais de cada um passaram a
incomodar o outro. Marta era insegura, desconfiada, ciumenta e possessiva. Por
sua vez, Rogério era teimoso, orgulhoso, irritadiço e inconsequente.
Consequentemente, o namoro era marcado por desentendimentos
acalorados. Porém, como se gostavam muito, passada a raiva do momento, o casal
se reconciliava e seguiu firme rumo ao casamento que acabou acontecendo poucos
anos depois.
O início da
união foi mágico. Os pombinhos tornaram-se perfeitos aos olhos do outro e nada
parecia incomodar. As viagens que fizeram juntos e a ascensão
profissional de cada um colaborou bastante para o período de bonança, mas
certamente o exercício da tolerância e compreensão tornava tudo mais fácil.
A tormenta
começou quando Marta retornou de licença maternidade após o nascimento do
segundo filho do casal. A empresa onde Marta trabalhava a demitiu e ela não
conseguia uma nova colocação no mercado.
Sem o aporte
financeiro de Marta, Rogério procurou um emprego que pagasse mais e acabou
conseguindo uma vaga na área comercial de conceituada empresa. O problema é que
a nova função exigia que Rogério fizesse constantes viagens.
As ausências
do marido e o desgaste da atenção exclusiva dedicada para duas crianças
pequenas despertaram o que havia de pior em Marta. Nas horas que estava em casa, Rogério era atormentado por cobranças e insinuações
de que mantinha casos extraconjugais. Por outro lado,
Rogério não cooperava, reagindo com sarcasmo e agressividade.
A gota d´água
ocorreu quando em um determinado dia, no auge da fúria,
Rogério afirmou:
- Essa casa
virou o inferno e você é o diabo gordo que o comanda!
Assim que
percebeu a besteira, Rogério parou de falar e enquanto pensava em como
consertar o estrago foi atingido no rosto por um tabefe e ouviu de Marta:
- Saia dessa
casa e não volte nunca mais!
O desejo de
Marta foi atendido.
Rogério via os
filhos na casa dos pais, evitando todo e qualquer contato com Marta. Nas poucas
vezes que isso acontecia, o ódio, ressentimento e egoísmo que explodiram no
fatídico dia vinham à tona e uma nova discussão se iniciava.
Diante desse
quadro, não houve surpresa quando o oficial de justiça entregou o mandado de
citação com o divórcio requerido por Marta.
Então Rogério
estava no Fórum para audiência.
Abatida, Marta
estava no mesmo ambiente, alguns metros distante, amparada por uma advogada.
O casal foi
chamado e se assentou na sala de audiência. Estavam de frente um para o outro.
O Juiz estava em uma mesa um pouco mais elevada e acima dele, pregado na
parede, havia uma placa.
Para evitar
olhar para Marta, Rogério leu a placa que continha os seguintes dizeres:
“O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não
se orgulha. Não maltrata, não procura seus próprios interesses, não se ira
facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra na injustiça, mas se alegra
com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” (I Coríntios
13:4-7)
Rogério estava
perdido em pensamentos quando ouviu o Juiz lhe falar:
- Sr. Rogério,
por favor, preste atenção! A situação aqui é muito séria. Vocês estão prestes
sacramentar o término do casamento de vocês. Existe alguma possibilidade de
reconciliação?
Despertado do
transe, Rogério encarou Marta com firmeza e disse:
- Eu não
cumpri minha promessa! Deixei você sozinha! Fui estúpido e não entendi o que
você estava passando. Descobri que amor não é um sentimento, mas uma escolha
que fazemos diariamente, independentemente das circunstâncias. Me perdoe! Quero
voltar para você! Quero a minha família comigo!
Chorando, Marta levantou da mesa e abraçou o
marido.
Atualmente,
Marta trabalha de casa e Rogério mudou para outro emprego, que não exige tanto
tempo fora de casa. Ainda brigam de vez em quando, mas continuam juntos e
felizes.
Rafael Ferreira da
Silva[1]
[1]
O autor é casado e pai de uma menina, advogado em São Paulo e tem outros contos
para compartilhar.
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