A lição de Horácio
Horácio
começou a trabalhar em uma renomada multinacional muito jovem. Graças à dedicação
aos estudos, comprometimento com as políticas da empresa, senso de
responsabilidade e esforço imensurável no alcance das metas estabelecidas, teve
uma carreira bem sucedida, chegando ao cargo de supervisor com relativa
rapidez.
Todos os
colegas gostavam de Horácio. Afinal, o rapaz nunca dizia não para ninguém, sacrificava
sua vida pessoal para cumprir todas as tarefas o mais rápido possível e cuidava
dos mínimos detalhes. Trabalho feito pelo Horário era certeza de qualidade e
pontualidade.
Contudo, a
carreira de Horácio estagnou. Ano após ano, inexplicavelmente, a promoção para
a gerência não vinha.
Embora não
aceitasse a situação muito bem, a princípio Horácio entendia que havia
ascendido com muita velocidade e talvez precisasse de um tempo de
amadurecimento para assumir novas responsabilidades. Algumas vezes chegou a
cogitar a mudança de emprego, mas como gostava muito da empresa, não levou a
ideia adiante.
Entretanto, em
um determinado ano, Sueli, famosa na empresa por sua inteligência limitada, mas
dona de um corpo estonteante, foi promovida à gerência e Horácio não. Aquilo
foi a gota d’água! Revoltado e visivelmente exaltado, Horácio foi até a sala de
Gérson, diretor do setor, para cobrar explicações:
- Qual é o
problema comigo? Não existe qualquer crítica ao meu trabalho e eu não sou
promovido! Agora até a Sueli é minha chefe.
Sentado em uma
confortável cadeira de escritório, com os pés sobre a mesa e um sorriso cínico,
Gérson respondeu:
- Você ainda
não percebeu que os outros estão te usando? Você faz tudo e não recebe o
crédito por nada. Precisa aprender a fazer política e arrumar uns trouxas que
façam as coisas por você.
A vontade de
Horácio era dar um soco na cara de Gérson e mandar a empresa para o inferno. Entretanto,
após alguns segundos de reflexão, Horácio respirou fundo e respondeu:
- Pode deixar,
entendi o que tenho de fazer.
Daquele dia em
diante, Horácio virou outro dentro da empresa.
Dificilmente
Horácio era visto em sua mesa. Normalmente estava na sala de algum diretor,
isso quando não era na de um dos vice-presidentes. Virou mestre na arte de rir
de piadas sem graças e ouvir histórias enfadonhas. Era o primeiro a elogiar as
ideias de seus superiores hierárquicos, puxava os aplausos após a fala deles em
palestras ou conferências e, quando alguém se apresentava como um opositor aos
seus suseranos corporativos, Horácio se transformava em um advogado combativo
dos mesmos.
Exceto se
fosse para atender a seus objetivos pessoais ou fazer um favor para seus
superiores hierárquicos, Horácio não ajudava mais ninguém dentro da empresa.
Muitas vezes o pedido dos colegas não lhe custaria nada, mas se não houvesse
uma vantagem corporativa, era o mesmo que solicitar para a parede.
Qualquer
trabalho que estivesse sob a responsabilidade de Horácio, agora não era mais
ele que fazia. Tudo era delegado aos subordinados. Mais do que nunca seus
braços estavam tão curtos quanto do personagem homônimo de Maurício de Souza.
Quando o
trabalho era elogiado e trazia bons resultados para a empresa, Horácio
reivindicava os louros para si. Por outro lado, se algo dava errado, sempre
havia um culpado que traiu a confiança que Horácio depositou nele e normalmente
o infeliz era despedido.
Entre seus
pares e subordinados, Horácio passou a ser odiado. Todavia, o marketing pessoal
com os superiores funcionou e em menos de um ano da conversa que teve com
Gérson, Horácio conseguiu uma dupla promoção.
A partir de
então, Horácio passou a ter o mesmo status de Gérson na empresa.
Mensalmente os
diretores e gerentes da empresa tinham que se reunir na sede que ficava no
interior do estado. Os deslocamentos eram feito por meio de vans que
comportavam 7 ou 8 pessoas.
Durante uma
das viagens mensais, um carro estava parado atravessado no meio da estrada,
aparentemente por conta de um atropelamento. O motorista da van parou e desceu
com o objetivo de ajudar. O problema é que ele voltou acompanhado de um sujeito
que portava um revolver e assim falou quando a porta foi aberta:
- Pelo visto
hoje é meu dia de sorte! Um bando de engravatado dando sopa. Vamos lá! Comecem
a passar tudo de valor.
Todos estavam
paralisados pelo medo e por um momento ninguém reagiu.
Aproveitando a
oportunidade Horácio começou a dizer:
- Acelera
pessoal! O rapaz não tem o dia todo. Vamos entregar logo as carteiras, alianças
e celulares.
Atônito, o
ladrão somente olhava e Horácio insistia:
- Que moleza é
essa galera? Temos que ser rápidos. Ô motorista, não fica só olhando não, ajuda
a recolher as coisas.
Certamente
movido pelo hábito de obedecer, o motorista passou a pegar cada um dos itens
que eram entregues pelos passageiros e os colocava em uma sacola.
Assim que o
motorista terminou Horácio conferiu a sacola e disse:
- Poxa Gérson!
Você não colocou o tablet aqui.
Depois o moço percebe, fica bravo e dá um tiro na gente.
Contrariado,
Gérson retirou o tablet que havia
escondido embaixo do banco e o colocou na sacola.
Horácio pegou
a sacola e a entregou para o ladrão dizendo:
- Olha, dei
uma conferida e não faltou nada. Vai nessa irmão e não fica vacilando senão os
“homi” te pega.
Depois de
dizer obrigado, o ladrão pegou a sacola e fugiu com o comparsa que o esperava.
O grupo da van
estava desolado. Enquanto prosseguiam com a viagem faziam o inventário de tudo
que haviam perdido. Nesse instante Gérson perguntou para Horácio:
- O que o
ladrão levou de você?
Horácio
respondeu:
- Nada!
Indignado,
Gérson indagou:
Foi quando
Horácio respondeu:
- Apliquei uma
lição que um sujeito que você conhece bem me ensinou. Bajulei aquele que estava
no comando, resguardei meus interesses e fiz o que ele queria usando uns
trouxas que estavam à disposição.
Rafael Ferreira da
Silva[1]
[1]
O autor é casado e pai de uma menina, advogado em São Paulo e tem outros contos
para compartilhar.
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