quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

CONTOS DO RAFAEL : Patrick e Estevão

Patrick e Estevão

Poupar dinheiro era um lema de vida na família de Patrick.

Desde muito pequeno, quando ainda era incapaz de entender os motivos, cansou de 

ouvir os vizinhos dizerem que seu pai atravessaria o Oceano Atlântico a nado com um 

comprimido efervescente em uma das mãos intacto e que a mãe era uma sovina.

Uma vez a avó, que cuidava de Patrick enquanto os pais saíam para trabalhar, o 

colocou de castigo, sem poder ver televisão por um mês, porque o menino não lembrava onde havia guardado as moedas do troco da padaria.

Não que a família passasse necessidade. Longe disso! O pai era um bem sucedido 

comerciante de tecidos com lojas no Brás e Bom Retiro, enquanto a mãe e a avó tinham uma 

gorda conta bancária fruto da herança deixada pelo avô, morto alguns anos antes. 

Todos na família lhe diziam da importância de se preparar para épocas difíceis e ele 

sabia de cor cada uma das expressões da conhecida fábula “A Cigarra e a Formiga”.

Raramente alguém de casa comia em restaurantes, fazia viagens ou comprava algo 

que não fosse classificado como estritamente indispensável. Quando isso acontecia é porque geralmente alguém convidava e garantia que arcaria com as despesas.

O pai nunca cansava de repetir:

- Filho, entenda uma coisa, a vida pune aqueles que desperdiçam dinheiro.

Patrick somente conseguiu ganhar seu primeiro videogame quando conseguiu mostrar 

matematicamente ao pai que a aquisição do brinquedo faria com que o menino passasse 

maior tempo em casa e diminuiria a necessidade de gastos decorrentes dos eventos sociais 

 Inevitavelmente, as lições recebidas em casa começaram a refletir nas escolhas.

Quando acompanhava os amigos da escola em bares e restaurantes nunca pedia nada. 

Devorava aquilo que era oferecido como entrada e aguardava pacientemente que os outros 

consumissem os pedidos principais, para então desfrutar das sobras dos pratos e copos 

alheios. Patrick nunca rachava a conta dizendo que deveria arcar apenas com o que pediu. 

Para poupar o dinheiro da condução, Patrick sempre que possível chegava aos lugares a pé.

Os primeiros namoros de Patrick foram muito curtos ou eram marcados por constantes idas e voltas. Aparentemente, Patrick se tornava uma pessoa de difícil convivência nas vésperas de aniversários, Dia dos Namorados e Natal, voltando a ser amável e carinhoso depois dessas datas. Pelo visto, o dever de gastar dinheiro com presentes estava por trás. 

Na faculdade, Patrick teve como colega um rapaz que levava a vida de um modo completamente diferente do seu.

Estevão, filho de um banqueiro, parecia não ter qualquer preocupação com dinheiro. 

Sempre andava de carro do ano e vestia as roupas mais caras. Esbanjador desmedido, pagava contas dos amigos, conhecidos e até mesmo de quem não conhecia. 

O comportamento de Estevão era tão ofensivo aos princípios do muquirana que, tão 

logo teve uma oportunidade, Patrick falou ao colega:

- Você não deveria desperdiçar tanto dinheiro. Um dia vai lhe fazer falta!

Estevão até se assustou com tamanha franqueza. Porém, como aquilo parecia sincero, 

diferente das palavras bajuladoras dos interesseiros que o cercavam, o perdulário respondeu 

- Talvez você tenha razão. Senta aqui que eu vou lhe pagar uma cerveja. Quero 

entender um pouco mais seu ponto de vista.

Embora existisse um abismo de princípios de vida e nenhum dos dois estivesse 

disposto a mudar, a conversa entre Patrick e Estevão fluiu e eles se tornaram excelentes 

amigos. Depois da faculdade Patrick optou por dar continuidade ao negócio do pai e teve ainda mais sucesso. Rapidamente se tornou milionário, porém, sem jamais abrir mão dos hábitos. 

Por sua vez, Estevão preferiu investir seu tempo e dinheiro em ações, mas fracassou. 

Para piorar, o banco do pai acabou envolvido com fraudes e a fortuna destinada a ser sua 

herança deixou de existir em pouquíssimos anos.

Diante desse contexto, quando voltaram a se encontrar, Estevão disse para Patrick:

- Meu amigo, suas palavras foram proféticas. Hoje não tenho nada e o que desperdicei 

agora está me fazendo falta. Pelo menos valeu a pena ter lhe pago aquela cerveja.

Apesar de inicialmente ter ficado triste pelo que aconteceu ao amigo, Patrick foi 

embora daquele encontro orgulhoso de sua sabedoria e certo de que sua filosofia de vida era 

o caminho certo a seguir. Porém, em nenhum momento lhe ocorreu oferecer qualquer ajuda 

para Estevão, embora tivesse condições para tanto.

A falta de solidariedade distanciou os amigos, que nunca mais se viram.

Patrick continuou prosperando, porém sua aversão ao gasto de dinheiro passou a ser 

um obstáculo no desenvolvimento de relacionamento com as pessoas. Estava preparado para os tempos de vacas magras que nunca vinham.

Quando se deu conta de que tinha dinheiro sobrando, mas estava sozinho, planejou 

conhecer o mundo e, por meio de uma carta, pediu desculpas pela sua arrogância, convidando o velho amigo para participar da empreitada com ele.

 Estevão ficou radiante com a oferta e, ao telefonar para a casa de Patrick, soube que o 

amigo havia falecido em função de um infarto fulminante.

No dia do enterro, apenas Estevão e a mãe de Patrick estavam no evento fúnebre.

Diante da situação, o esbanjador aposentado olhava para o caixão e questionava se 

teria valido a pena o amigo ter vivido apenas para juntar dinheiro.

Rafael Ferreira da Silva

Nenhum comentário:

Postar um comentário