A chance
Os
adolescentes Tércio e Luciano se conheciam desde pequenos. Moravam próximos,
estudavam na mesma escola e tinham os mesmos amigos. Eram tão próximos que
quando um decidiu trabalhar o outro fez o que pode para conseguir uma vaga no
mesmo lugar como mensageiro.
Um dia
aconteceu de fazerem trabalhos externos juntos. Como tinham afinidade, houve
mútua cooperação e as tarefas acabaram concluídas com êxito bem antes do
programado. Sabendo que se voltassem para empresa cedo receberiam novas tarefas
para aquele dia, decidiram matar tempo no Shopping Center existente no bairro.
Depois de mais
de uma hora zanzando pelo Shopping Center e ainda com tempo sobrando, Luciano
sugeriu para Tércio:
- O que você
acha de roubarmos algumas coisinhas no supermercado? O pessoal da rua disse que
é moleza!
Receoso,
Tércio resistiu à ideia:
- Sei não. Vai
que nos pegam!
Luciano
insistiu:
- Deixa de ser
bundão! Todo mundo faz isso e nunca deu problema. Só nós dois estamos pagando
por coisas que a galera consegue de graça.
No final a
dupla decidiu se arriscar.
Realmente
furtar naquele supermercado parecia fácil. Nenhum sinal de câmeras de
vigilância, poucos funcionários e vários pontos escondidos para ajeitar os
itens escolhidos dentro das calças e dos casacos.
Os malandrões,que
no início da empreitada criminosa pareciam cabos de vassoura vestidos, saíram
do supermercado recheados e confiantes. Tinha sido tão fácil que já planejavam
o retorno no futuro.
Caminhando
para a saída, mas ainda no estacionamento do supermercado, um rapaz que
aparentava a mesma idade dos espertões se aproximou e disse:
- Poxa, vocês
fizeram a festa! E se eu os dedurasse para a segurança.
Embora
assustado, Luciano sussurrou:
- Ei, fala
baixo! Não precisa disso não. A gente pode dividir.
O candidato a delator
sorriu e gritou olhando um pouco atrás de onde estava a dupla:
- Vocês viram
isso? O cara está tentando me subornar!
Tércio e
Luciano estavam cercados por seguranças do supermercado e não tinham como
fugir. Foram conduzidos até um senhor grisalho, aparentemente chefe da
segurança, que determinou que colocassem sobre a mesa tudo o que tivessem
surrupiado. Chocolates, balas, salgadinhos, CDs, pilhas ecamisinhas encheram o
espaço indicado, enquanto o senhor grisalho balançava a cabeça em tom de
reprovação.
Após
terminarem de devolver o que haviam furtado, Tércio e Luciano foram trancados
em uma sala sem janelas, abafada e mal iluminada, onde, segundo os seguranças,
aguardariam a chegada da polícia.
Com os olhos
arregalados, batimento cardíaco acelerado e sudorese intensa, os fracassados
gatunos viviam a angústia da espera e o desenrolar das consequências da péssima
ideia levada a cabo.
O tempo
parecia se arrastar.
De repente, a
porta abre e um segurança entra para pegar alguma coisa no armário que havia na
sala. Antes de sair o referidosegurança olhou para os rapazese escarneceu:
- Vocês são
menores de idade, não é mesmo? Então vão parar em uma instituição correcional.
Com esse físico de chassi de grilo acabarão como mocinhas dos malandros que
estão presos lá.
O desespero da
dupla aumentou. Luciano, que gostava de fazer troça com a irmã que era crente,
tinha se ajoelhado, juntou as mãos e rezava. Tércio chorava compulsivamente.
Pouco depois a
porta abriu novamente e todos os seguranças com quem tinham tido contato
entraram.Com cara de poucos amigos, o senhor grisalho olhou feio para os
gatunos fracassados e disse:
- O carro da
polícia chegou cheio de marginais e só tem lugar para mais um. Decidimos que
vocês terão que disputar um braço de ferro. O derrotado acompanha a polícia e
deixamos o vencedor ir embora.
Embora
perplexos com a situação, os amigos concluíram que aquela era oportunidade de um
deles se livrarem da enrascada que se meteram e não tiveram dúvidas em aceitar
a oferta.
O medo
aumentou a força dos dois frangotes. Quando um conseguia empurrar a mão do
outro perto da mesa, uma reação improvável ocorria e o equilíbrio se
restabelecia. Porém, quando ambos já estavam esgotados, Tércio conseguiu
superar o momento de fraqueza e venceu a disputa.
Logo após a
derrota Luciano começou a tremer e implorar por clemência, enquanto Tércio desfrutava
de uma sensação de alívio que jamais havia experimentado, embora estivesse
arrasado pelo futuro reservado ao amigo.
Os seguranças
davam gargalhadas, exceto pelo senhor de cabelo grisalho que se aproximou e
disse:
- Não tem
nenhum carro de polícia lá fora! Embora vocês sejam dois imbecis, decidi dar
uma chance para que pensem na bobagem que fizeram. Espero que tenham aprendido
a lição e que nunca mais voltem a fazer algo parecido. Sumam daqui! Nunca mais
quero vê-los neste supermercado.
Os amigos
voltaram em silêncio para o trabalho e jamais falaram sobre o que aconteceu
naquela tarde.
Meses depois
Luciano mudou para outro bairro e pediu demissão da empresa. Não partilhavam
mais o mesmo círculo de amizades e aos poucos foram se distanciando até
perderem contato.
Anos depois,
Tércio, então Promotor Público, ao examinar um inquérito policial, lembrou daquela fatídica tarde e começou a chorar. Nos autos
do processo constava que Luciano havia sido morto no acerto de contas de uma
quadrilha de ladrões de banco.
Um aproveitou
a chance, infelizmente o outro não.
Rafael Ferreira da
Silva[1]
[1]O
autor é casado e pai de uma menina, advogado em São Paulo e tem outros contos
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